domingo, 31 de julho de 2016

Faiança de Gaia da Fábrica do Senhor do Além (?)

Na última feira de Algés o meu marido descobriu esta travessa, mas fui eu que a paguei...
Azul a minha cor favorita na faiança. Partida com "gatos", como gosto!
Formato oitavado  de alto covo, em pintura monocromática azul - um azul fantástico, brilhante, belo.
Ao centro o motivo principal apresenta um "casario" ladeado de arvoredo sob rodapé  de arbustos em esponjado . O céu com nuvens e pássaros como uso no naquele tempo da pintura cantão popular.
O limite da bordadura ornado a fino filete de onde nascem semi círculos, sendo um mais grosso a sobressair no entrelace de outro de traço mais fino, e deste pendem cordões com três borlas ou pompons. A lembrar os pendões em veludo que existiam no meu tempo de criança na separação de qualquer capela mor do corpo da igreja.
Mas não é o tradicional "casario" - tudo indica se tratar de uma igreja (?) , apesar de entre as torres não ser encimada por uma Cruz, e sim pela tradicional "bandeirola" que aparece em muito "casario", e sobre o qual não sei o significado que o pintor quis lhe atribuir, quiçá seja o símbolo da Liberdade!
Chamou-me a atenção o lado esquerdo apresentar um mural e um terraço a terminar em graça com ameias.
Passava a telenovela "Coração d'Ouro" ,deixei-me ficar pasmada ao ver esta foto, parei de imediato a imagem para fotografar e disse para o meu marido- a nossa travessa retrata  a Sé do Porto!
O que evidencia a sua provável origem de fabrico- Porto (?).

O tardoz evidencia um barro rosado com esmalte brilhante de ligeiro lácteo
 Devia ter estado num antiquário atendendo à etiqueta...o que não quer dizer que esteja certa!
Não querendo contrariar uns demais nesta temática-, que jamais saem da sua base de conforto, em relação a mim mulher prática e destemida, sem qualquer medo mas receosa sempre de medos no receio de errar, aqui vou fazendo as minhas deduções na atribuição da faiança, e por vezes erro mesmo, mas na mente sempre convicta em melhorar sobretudo na partilha deste gosto fascinante da nossa faiança-, assim ao longo dos tempo vou fazendo pesquisas, aquisição de livros, visita a Museus e sobretudo a ver muitas peças, e claro observando pormenores-, ainda assim não seja considerado coisa alguma, quando o é bastante-, por isso supostamente rotulada de "ligeira" nesta temática que os choca, e a mim NÃO.
Cito uma frase que li há tempos e me deixou impressionada
" a primeira ferramenta para o estudo da história é o documento; a segunda é o raciocínio. Por vezes, a 2ª ferramenta, o raciocínio, não consegue encaixar na lógica a ausência de documentos para determinada época. Nasce assim um enigma que se transforma num facto - a ausência de documentos ou o seu encobrimento tem uma razão a qual também faz parte da história."

Um fenómeno interessante é o conhecimento que muitos leitores tem do blog-,alguns enviam mensagens,outros contactam-me pessoalmente. Tem sido frenética e muito agradável passar de simples desconhecida com o anónimo (a) para o conhecimento palpável, acolhedor, simpático, enternecedor. Bem hajam pelas lindas palavras que me dirigem, e de todo sinto não mereço. Ainda há dois meses foi na feira de Paço d'Arcos, onde como visitante fui interpelada por uma Professora de História, saboreava o seu café na esplanada quando me reconheceu a ver os estaminés-, haveria de me confidenciar que apesar de ter receado se deveria falar-me, decidiu e bem o fazer-, foi uma conversa prazeirosa, travada seguramente durante largos três quartos de hora...a Dra Teresa, ensina os seus alunos em Mem Martins a disciplina na temática da revolução industrial introduzindo a história da Fábrica de Loiça de Sacavém na luta que os seus operários travaram e reivindicações para melhoria de salários e de regalias sociais, por a loiça que produziram ainda estar nos dias d'hoje muito enraizada na cultura dos seus pais e avós dos alunos-, apesar destes a desconhecerem( só conhecem Ikea...) sente que ficaram apaixonados, dela falavam com os pais e até traziam peças para partilha e de outras sabiam de cor a quem pertenciam. Magnífico, brilhante, isto é que é ter visão em transmitir cultura e paixão por aquilo que é nosso num misto criativo no exercício da sua profissão, tornando a disciplina mais apelativa. Confidenciou-me que gosta do que escrevo, sobretudo como escrevo, do meu sentido descritivo, apaixonante, emocional de mulher prática, sem medos, e sobretudo do meu gosto de partilha, sem "trunfos nas mangas". Lê os dois blogs.Fiquei completamente extasiada, sem palavras.Só me dizia-, já ganhei o dia só de a conhecer...eloquente, tanta cumplicidade sentida. Afinal vale a pena dar continuidade ao meu trabalho por aqui. Há dias deixaram-me um comentário que me deixou comovida:
"Continue o seu trabalho. Reconheço-o com o pensamento de Carljung , que transcrevo :Pensar que o homem nasceu sem uma história dentro de si próprio é uma doença. É absolutamente anormal, porque o homem não nasceu da noite para o dia. Nasceu num contexto histórico específico, com qualidades históricas específicas e, portanto, só é completo quando tem relações com essas coisas. Se um indivíduo cresce sem ligação com o passado, é como se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo exterior com exatidão. É o mesmo que mutilá-lo. CarlJung"
Nesta mesma feira fui contatada por três pessoas que acompanham o blog, que não conhecia, a quem agradeço a gentileza e o carinho-, Margarida e Filomena Miguel, uma delas fez uma aquisição de uma linda terrina de Coimbra.Um senhor que comprou noutra banca um belo prato em policromia típica de pinceladas largas, em laranja, azul e verde-, pergunta-me se seria Bandeira ou Fervença- não se mostrava nada fácil, porque analisando pormenores verifiquei que o tardoz era num azul anil com muitos buraquinhos, que evidencia fabrico de Estremoz (?), mas o filete na bordadura e o conjunto de pequeníssimas pinceladas a castanho- que não o era na essência, tinha uma mistura que lhe dava um toque de dourado velho, pode remeter para Coimbra(?), sendo que tenho um grande prato que será Darque(?) com esta decoração e as pinceladas a pincel à mão, mostram-se gordas e em castanho puro, apesar de em ambos minúsculas,por isso se destacam no motivo por ressaltar no emaranhado das outras grandes.Esta decoração geralmente é atribuída a Bandeira e Fervença, na verdade também foi pintada por Estremoz, Darque, Vilar de Mouros  e quiçá Coimbra e outras.
Assim como a catalogar:
A minha travessa é LEVE, o que me catapulta para o fabrico norte (?), a que se acrescenta o motivo, a pintura da Sé no Porto (?), delicadeza da pintura da bordadura, só possível numa fábrica de bons artistas, uso de barro rosado(mistura de branco com vermelho), e o motivo seria visto da escarpa onde estava sediada a fábrica, ou pelo menos parte da muralha Fernandina da cidade do Porto, argumentos bastantes para a catalogar como sendo da Fábrica do Senhor de Além em Gaia(?). Uma leitura deste blog-, Margarida, comprou à tempos uma linda terrina ( espero ainda a foto, com pintura de volutas)  cujo vendedor a levou ao Museu Soares dos Reis, na esperança que a comprassem, mas devia ter pedido muito, onde lhe disseram ser peça desta fábrica, pelas carateristicas de leveza, da cor rosada do barro, e da pintura fina. Produção dos finais do século XIX, seguramente!
Escarpa da Serra do Pilar com data de 18_08_2010  de J. Portojo, com a capela do Senhor do Além( hoje em total abandono) no complexo ruinal do antigo convento dos Carmelitas vendido depois da extinção das Ordens Religiosas em 1834 onde se veio instalar a Fábrica de faiança do Senhor de Além.
Falta intervenção urgente em escavar o local para com os fragmentos encontrados se possa compilar um livro da produção desta fábrica que lamentavelmente o pioneiro José de Queiroz dela apenas escreveu  que em 1881 já laborava em frente da Cortiçeira ( e desta fábrica nada fala dela) Diz ainda que produzia faiança de qualidade inferior. Os barros procediam de Lisboa (branco)  e de Avintes (vermelho) em Gaia tão tradicional o seu uso pelos santeiros e bonecreiros para fazerem bonecos para vender nas festas do povo.
O entusiasmo de a ter faz-me acreditar que o tradicional "casario" começou muito provavelmente por ser pintado um modelo da igreja no local da olaria, e dele irradiou tanta alteração como se revela no nosso cantão popular(?). Daí o fascínio deste motivo . 

FONTES

http://portojofotos.blogspot.pt/2012/03/121-capela-do-senhor-dalem-vila-nova-de.html

2 comentários:

  1. Maria Isabel

    A Maria Isabel que há tantos anos anda pelas feiras de velharias, já deveria saber que para uma boa parte de todos os vendedores e antiquários toda a louça azul e branca do século XIX e a inícios do séc. XX é associada a Miragaia. Quando um vendedor de velharias, diz que é "Miragaia" está no fundo a dizer que é uma loiça azul e branca, antiga e interessante. Portanto, se fosse a si não me importava muito com o que essa etiquetazinha diz.

    Se reabrir as páginas do catálogo "Fábrica de Louça de Miragaia. - Porto : Museu Nacional Soares dos Reis, 2008" verá que não encontra lá nada com alguma semelhança com essa bonita travessa que aqui mostra.

    Quanto à relação com a Sé do Porto, tenho as minhas dúvidas, até porque a fachada nós que vemos hoje foi muito alterada nos anos 30 ou 40. Parece-me o que se vê aqui representado é uma convenção do que é uma igreja em Portugal. Se um de nós tentar desenhar uma igreja, vai fazer um quadrado com um triangulo por cima, ladeado por duas torres, terminando em semicírculos.

    Isto não quer dizer que não concorde consigo acerca de que algumas destas faianças poderiam representar igrejas em particular e que seriam vendidas nas feiras por ocasião da festa do respectivo patrono.

    Em suma, essa sua travessa tão bonita, que não está marcada, que me parece coisa dos finais do XIX ou até mesmo início do XX e não consta do catálogo "Fábrica de Louça de Miragaia. - Porto : Museu Nacional Soares dos Reis, 2008" não me parece de tudo coisa saída da fábrica de Miragaia, firma que fechou as suas portas pouco depois de 1850.

    Um abraço

    Um abraço

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  2. Caro LuisY
    Muito obrigado pela cortesia da visita e pelo testemunho. Tem toda a razão, a pressa foi minha inimiga, tinha pensado usar esse item da etiqueta para o destronar e acabei por me baralhar, e pior nem pesquisei o Livro de Miragaia que tenho...já alterei. Será fabrico norte com muita certeza.
    Bem haja
    Maria Isabel

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